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Tolerância ao exercício físico e ritmo nas provas de resistência: uma abordagem psicobiológica (Part

Em postagem anterior apresentamos o modelo psicobiológico para explicar a tolerância ao exercício. Esse modelo foi proposto como alternativa, uma vez que o pressuposto do tradicional modelo da fadiga muscular não conseguiu ser confirmado experimentalmente (veja aqui). O modelo psicobiológico, baseado na teoria da intensidade motivacional da psicologia (1), propõe que interromper ou diminuir a intensidade do exercício é uma tomada de decisão consciente, que depende do quão difícil um dado esforço é percebido [percepção de esforço (PE)] e o quanto a pessoa deseja se esforçar para atender um determinado motivo (motivação) (Figura 1).


Cabe destacar que o pesquisador propositor do modelo psicobiológico, Samuele Marcora, não foi o primeiro a sugerir que a PE estaria envolvida na explicação da tolerância ao exercício. Anteriormente o sul-africano Timothy Noakes já havia proposto o modelo do governador central, baseado no ainda mais antigo modelo da teleoantecipação do alemão Hans-Volkhart Ulmer. Uma apresentação mais detalhada de ambos os modelos está fora do escopo do presente texto. Quem tiver interesse pode consultar os estudos 2 e 3 nas referências bibliográficas. Abordaremos aqui como o modelo psicobiológico foi experimentalmente testado e como o modelo também pode ser aplicado para explicar as variações de ritmo durante provas de endurance.


Em estudo publicado em 2009 no importante periódico científico Journal of Applied Physiology, Marcora e colaboradores (4) testaram a validade do modelo psicobiológico submetendo 16 sujeitos a duas situações experimentais, conduzidas de maneira aleatória. Em uma das situações os participantes do estudo executarem uma tarefa cognitiva prolongada (90 minutos), induzindo neles fadiga mental (FM). Na outra situação, a situação controle (CTL), os participantes assistiram um documentário emocionalmente neutro de mesma duração da tarefa cognitiva. Imediatamente após as situações experimentais (FM e CTL) os voluntários realizaram um exercício de carga constante em cicloergômetro até a exaustão. Os resultados mostraram um menor tempo até a exaustão, portanto menor tolerância, no exercício de resistência na situação FM. Interessantemente, nenhuma das variáveis cardiorrespiratórias e metabólicas associadas à fadiga muscular foi diferente entre as situações. No entanto, a PE foi maior ao longo do tempo na situação FM (Figura 2), sem ser diferente entre as condições no momento da exaustão. Importante destacar também o fato dos voluntários não terem apresentado níveis diferentes de motivação entre as situações. Juntos esses resultados sustentam os pressupostos do modelo psicobiológico, pois para um mesmo nível de motivação, uma taxa maior de aumento da PE explicou a menor tolerância ao exercício na situação FM.


O modelo psicobiológico também pode ser aplicado para explicar as variações de ritmo das provas de resistência (Figura 3). No entanto, em exercícios onde o final é conhecido, além da (I) PE e (II) motivação, outros fatores são levados em consideração para tomada de decisão sobre o ritmo que será adotado ao longo da prova. São eles: (III) conhecimento da distância que será percorrida, (IV) conhecimento da distância que já foi percorrida durante a prova e (V) experiência prévia de PE com exercício de intensidade variável (5). O fator II pode ser facilmente influenciado, como por exemplo, pela presença de um adversário ou pela importância da prova em questão. Os fatores III, IV e V explicam o fenômeno do sprint final e porque atletas adotam diferentes ritmos iniciais nas provas. Já o fator I, a PE, é determinante chave do modelo para explicar a autorregulação do ritmo pelos atletas (6).


Mudanças experimentais na PE fazem com que o atleta conscientemente mude seu ritmo para compensar o efeito da manipulação experimental sobre a PE. Por exemplo, MacMahon e colaboradores (7), no estudo publicado no periódico científico Journal of Sports and Exercise Psycology em 2014, submeteram 20 voluntários a dois testes de 3.000 metros realizados, um após a indução de FM e outro após a visualização de um documentário. Os resultados mostraram que na situação onde os voluntários estavam em FM houve piora no tempo para completar os 3.000 metros e uma mudança na distribuição do ritmo ao longo da prova (Figura 4). Ainda, não foi observada diferença entre as situações no comportamento da PE ao longo tarefa. Portanto, como proposto pelo modelo psicobiológico, os voluntários diminuíram o ritmo de corrida na situação em que estavam em FM o que evitou uma exaustão prematura, isto é, não atingiram o máximo de esforço que estavam dispostos a exercer antes de completarem a prova.


Sendo a PE uma variável tão importante dentro do modelo psicobiológico (e em outros) para determinar a tolerância ao exercício e participar na regulação do ritmo em provas de resistência, quais seriam os mecanismos neurofisiológicos responsáveis pela sua formação? Este será o assunto abordado no nosso próximo post.


Referências bibliográficas









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