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Resfriamento e aquecimento do músculo esquelético após o exercício: Efeito sobre a função contrátil

Existe uma busca constante dos cientistas do esporte pela melhor estratégia para acelerar a recuperação da capacidade neuromuscular de atletas de alto nível, essa reduzida após competições e/ou sessões intensas de treinamento físico. Tal descoberta teria implicações muito importantes em competições onde sucessivas partidas são disputadas dentro de um espaço curto de tempo ou na preparação dos atletas onde, em virtude de uma recuperação mais rápida entre as sessões de treino, seria acumulada mais cargas de treinamento e, assim, em teoria, amplificaria adaptações fisiológicas. Sem dúvida a estratégia mais utilizada na prática e investigada cientificamente para tais finalidades vem sendo a imersão em água gelada (CWI, do inglês cold water immersion). Em publicações anteriores no nosso blog mostramos que os efeitos positivos da CWI sobre a recuperação da força muscular são, na verdade, mediados pelo efeito placebo, isto é, a expectativa que os atletas geram a respeito de um tratamento (veja aqui). Mostramos também, além disso, que a CWI amplifica as adaptações mitocondriais induzidas pelo treinamento aeróbio (veja aqui), mas atrapalha os ganhos de massa muscular, e consequentemente a melhora da força, obtidos com o treinamento resistido (veja aqui).


Após o exercício prolongado existe uma redução da capacidade do músculo esquelético gerar força em níveis submáximos, cujo a recuperação pode demorar de minutos a dias (Edwards et al., 1977). Essa redução significa que para um dado nível submáximo de força que deve ser gerado é necessária uma maior frequência de estimulo por parte do sistema nervoso central (Allen et al., 2008). Isso, por sua vez, contribui para a sensação de fraqueza que persiste após completar um exercício intenso, mesmo que a força máxima ainda possa ser gerada. O mecanismo por trás dessa redução dos níveis submáximos de força talvez decorra de uma liberação prejudicada de Ca2+ pelo reticulo sarcoplasmático e/ou diminuição da sensibilidade miofibrilar pelo Ca2+ (Skurvydas et al., 2016). Nesse sentido, dado que o exercício prolongado depleta o glicogênio muscular, e isso pode afetar a manipulação do Ca2+ sarcoplasmático (Nielsen et al., 2011), qual seria o efeito da CWI sobre a recuperação dos níveis submáximos de força?


Essa pergunta foi respondida recentemente em um excelente estudo conduzido tanto em humanos quanto em modelos experimentais, publicado no respeitado periódico científico The Journal of Physiology. A hipótese de Cheng et al. (2017) era que a CWI e sua consequente redução da temperatura muscular, retardaria a recuperação do glicogênio muscular depletado previamente por um exercício prolongado extenuante e, consequentemente, afetaria de forma negativa a recuperação do desempenho muscular em uma tarefa que exigiria níveis submáximos de força. Em contrapartida, os autores acreditavam que o aumento da temperatura muscular poderia gerar efeitos contrários, uma vez que a atividade das enzimas que participam da ressíntese de glicogênio aumenta em função do aumento da temperatura.


Para investigar tais hipóteses, primeiramente os pesquisadores testaram em 5 sujeitos o desempenho muscular em uma tarefa que exigia níveis submáximos de força, a qual eles chamaram de exercício fatigante. Esse consistia em realizar no ciclo ergômetro de membros superiores, 3 séries de 5 minutos de exercício produzindo a maior quantidade possível de potência, cada série separada por 5 minutos de recuperação passiva (3 x 5 min all-out / 5 min). Então, os sujeitos realizaram um exercício exaustivo prolongado, que consistia de 4 séries de 15 minutos de exercício a 50% do VO2pico, cada série também separada por 5 minutos de recuperação passiva. Imediatamente após a esse exercício exaustivo prolongado, os sujeitos iniciaram 2 horas de uma das seguintes estratégias de recuperação: (a) manutenção dos braços em temperatura fisiológica (33°C), (b) resfriamento dos braços com a técnica de CWI ou (c) aquecimento dos braços 5°C acima da temperatura fisiológica (38°C). Durante todo o período de recuperação os sujeitos consumiam 1,1g/kg/h de carboidratos e tinham mensurada a temperatura muscular em intervalos regulares de tempo. Passado o período de 2 horas de recuperação, o desempenho muscular em níveis submáximos de força foi novamente averiguado com o exercício fatigante previamente descrito. Durante ambos os exercícios fatigantes foram mensuradas a potência média gerada em cada uma das séries, bem como as respostas cardiorrespiratórias e metabólicas. Uma descrição detalhada do experimento em humanos pode ser observada na Figura 1. Além disso, utilizando um desenho experimental semelhantes ao experimento em humanos, os pesquisadores também investigaram em músculos inteiros e fibras musculares isoladas de ratos se os mecanismos relacionados com a ressíntese de glicogênio muscular e manipulação do Ca2+ sarcoplasmático explicariam a recuperação mais rápida dos níveis submáximos de força com o aquecimento dos músculos.


Figura 1. Desenho experimental adaptado do estudo de Cheng et al. (2017).



Assim como os investigadores hipotetizaram, a manutenção, diminuição (CWI) e aumento da temperatura dos músculos dos braços (Figura 2A) influenciaram de maneira distinta a recuperação da capacidade muscular no experimento em humanos. Especificamente, os resultados mostraram que a recuperação da capacidade dos músculos gerarem potência em níveis submáximos foi melhor com o aquecimento dos braços quando comparado ao resfriamento deles com CWI (Figura 2B). Ainda, foi demonstrado que a maioria das respostas cardiorrespiratórias e metabólicas durante as séries de exercício fatigante foram semelhantes entre as condições de recuperação, exceto a concentração de lactato sanguíneo, que foi ligeiramente maior na última série da condição onde a recuperação ocorreu com aquecimento dos músculos.



Figura 2. Adaptado de Cheng et al. (2017). Painel A, temperatura muscular ao longo das 2 horas de recuperação na condição de manutenção dos braços em temperatura fisiológica (linha preta), resfriamento dos braços com a técnica de CWI (linha azul) e aquecimento dos braços 5°C acima da temperatura fisiológica (linha vermelha). Painel B, potência produzida (relativa a inicial) em cada série de exercício fatigante nas diferentes condições experimentais de recuperação.




Os resultados nos modelos experimentais, por sua vez, confirmaram o mecanismo proposto de que com o aquecimento dos músculos durante a recuperação haveria uma maior ressíntese do glicogênio muscular (Figura 3A), e consequentemente uma melhor manipulação do Ca2+ sarcoplasmático (Figura 3B), refletindo em uma recuperação mais rápida da força da fibra muscular quando estimulada em baixas frequências (Figura 3C).



Figura 3. Adaptado de Cheng et al. (2017). Painel A, concentração de glicogênio muscular antes (pré) e depois (pós) do exercício fatigante (barras marrons), bem como aos 30 minutos de recuperação na condição experimental de resfriamento e aquecimento do músculo. Painel B, concentração intracelular de cálcio durante uma contração tetânica ([Ca+2]i tetânica) de 30Hz aos 30 minutos recuperação após um exercício fatigante nas diferentes condições experimentais de recuperação. Painel C, comportamento da força de uma fibra muscular isolada quando estimulada a 30 Hz ao longo das 2 horas de recuperação após um exercício fatigante nas diferentes condições experimentais de recuperação. Nota, os valores de [Ca+2]i tetânica e força foram expressos relativos aos valores iniciais obtidos antes do exercício fatigante.



Portanto, a popular estratégia de recuperação com CWI após exercícios extenuantes prolongados, exacerba a redução da capacidade dos músculos esqueléticos gerarem força submáxima, atrasando a recuperação e piorando a resistência à fadiga em um exercício subsequente. Isso, pelo menos em parte, pode ser devido ao atraso na ressíntese do glicogênio e consequente manipulação do Ca2+ sarcoplasmático. Em contrapartida, os resultados mostraram uma clara relação positiva entre o aumento da temperatura muscular e a recuperação da força e resistência dos músculos exercitados, dado que carboidrato seja providenciado durante o período de recuperação. Os resultados aqui apresentados do estudo de Cheng et al. (2017) podem ter importantes implicações práticas para atletas que participam em eventos esportivos onde várias provas são competidas no mesmo dia ou em dias consecutivos, e em atletas de esportes coletivos, onde algumas competições ou fases durante a temporada exibem períodos congestionados de partidas.


Será que a imersão em água quente (do inglês hot water immersion; HWI) ganhará a mesma popularidade da CWI?


Referências bibliográficas



Edwards RH, Hill DK, Jones DA, Merton PA. Fatigue of long duration in humanskeletal muscle after exercise. J Physiol. 1977; 272 (3): 769-78.


Allen DG, Lamb GD, Westerblad H. Skeletal muscle fatigue: cellular mechanisms. Physiol Rev. 2008; 88 (1): 287-332.


Skurvydas A, Mamkus G, Kamandulis S, Dudoniene V, Valanciene D, Westerblad H. Mechanisms of force depression caused by different types of physical exercise studied by direct electrical stimulation of human quadriceps muscle. Eur J Appl Physiol. 2016;116 (11-12): 2215-2224.


Nielsen J, Holmberg HC, Schrøder HD, Saltin B, Ortenblad N. Human skeletalmuscle glycogen utilization in exhaustive exercise: role of subcellular localization and fibre type. J Physiol. 2011 1; 589 (Pt 11): 2871-85.

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