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A resposta ventilatória frente à combinação de hipóxia e exercício físico desafia a matemática

Autoria:


Diogo M. Oliveira, fisioterapeuta, discente de mestrado na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob orientação do Prof. Dr. Bruno M. Silva.




Dr. Bruno M. Silva professor do dpto. de fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).








Ao realizarmos exercício físico a ventilação aumenta. E o aumento da ventilação possui forte associação com o aumento da produção de dióxido de carbono (V̇CO2), o que contribui para a regulação do equilíbrio ácido-base. Isto ocorre por que o excesso de moléculas de CO2 produzidas durante o exercício é excretado pelo aumento da ventilação. Após mais de 100 anos de pesquisa sobre o assunto, muitos mecanismos que provocam aumento da ventilação durante o exercício foram descobertos. No entanto, nenhum dos mecanismos conhecidos até hoje é capaz de monitorar de maneira direta o V̇CO2, e, consequentemente, sinalizar esta informação aos neurônios geradores do padrão respiratório no tronco encefálico. Portanto, o ajuste preciso da ventilação em função do aumento do V̇CO2 é considerado um dos grandes enigmas do conhecimento científico em fisiologia do exercício (1).


Por outro lado, o mecanismo envolvido na resposta ventilatória frente à redução da concentração de O2 no sangue arterial (hipóxia hipoxêmica) em repouso e exercício é mais bem estabelecido. A descoberta do funcionamento e importância de células sensíveis ao O2 inclusive foi homenageada com o prêmio Nobel ao pesquisador alemão Corneille Heymans em 1938 (2). Tal mecanismo faz parte do quimiorreflexo carotídeo, e como todo reflexo, é composto por receptor, via aferente, centro integrador, via eferente e órgão efetor. Os receptores envolvidos estão nos corpos carotídeos, localizados bilateralmente no pescoço, mais precisamente no seio carotídeo, próximo à bifurcação da carótida comum em carótida interna e externa (Figura 1). Em repouso, com pressão de oxigênio no sangue arterial (PaO2) em níveis normais (entre 80 a 100 mmHg), o quimiorreceptores carotídeos possuem baixa atividade basal e, consequentemente, contribuem pouco para o nível de ventilação (em torno de 20%). Já em situação de repouso com baixa PaO2 (principalmente em PaO2 menor que 60 mmHg), os quimiorreceptores carotídeos são estimulados, o que aumenta a atividade nervosa aferente ao sistema nervoso central e gera como resposta o aumento da ventilação. Nesta situação, então, o quimiorreflexo carotídeo passa ter papel de protagonista para o controle da ventilação (1).


Figura 1. Representação esquemática dos corpos carotídeos, localizados próximo à bifurcação da carótida comum em carótida interna e externa.

Um fato interessante neste contexto é que para um mesmo nível de hipoxemia, a resposta de aumento da ventilação é maior durante o exercício em relação ao repouso. Isso significa que o exercício físico é capaz de gerar um efeito potencializador sobre a resposta ventilatória à hipoxemia. A possível consequência é que o aumento adicional da ventilação pode agravar o desconforto respiratório (dispneia) durante o exercício em pacientes com doenças pulmonares, que desenvolvem hipoxemia durante o exercício. Ou inclusive em atletas, quando estes realizam exercício de moderada a alta intensidade em altitude elevada (acima de 2 mil metros), visto que a ventilação atinge altos valores devido à intensidade do exercício e à hipoxemia gerada pela baixa pressão de O2 no ar atmosférico (3). Portanto, o conhecimento a respeito dos mecanismos que participam da regulação ventilatória frente à combinação de hipoxemia e exercício é extremamente importante.

Sendo assim, nosso grupo de pesquisa conduziu um estudo que foi recentemente publicado na prestigiada e tradicional revista Journal of Applied Physiology (4). O título do estudo, traduzido para o português, é “Resposta ventilatória hiperaditiva proveniente da interação entre o quimiorreflexo carotídeo e o mecanorreflexo muscular em humanos saudáveis”. Neste estudo testamos a hipótese que poderia haver uma interação (sinergismo) entre o principal mecanismo ativado pela queda da PaO2, ou seja, o quimiorreflexo carotídeo, e um mecanismo que está envolvido no aumento da ventilação durante o exercício, o mecanorreflexo muscular. Este último, por sua vez, é um reflexo ativado pelo efeito mecânico das contrações musculares sobre receptores principalmente em terminações de axônios pouco mielinizados (fibras tipo III) que se localizam entre as fibras musculares esqueléticas.

Para testar essa hipótese, recrutamos 14 indivíduos saudáveis. Manipulamos o quimiorreflexo carotídeo administrando duas misturas de gás: 1) fração inspirada de oxigênio a 12% (hipóxia); 2) fração inspirada de oxigênio a 21% (normoxia) (Figuras 2 e 3). O mecanorreflexo muscular foi ativado através de movimento passivo de flexão e extensão de joelho em um dinamômetro isocinético. Assim, obtivemos as seguintes condições: 1) repouso e normóxia; 2) movimento e normóxia; 3) repouso e hipóxia; 4) movimento e hipóxia. A análise da ventilação e de trocas gasosas respiratórias foi realizada durante todo o experimento por um analisador metabólico (QUARK CPET, Cosmed). [VÍDEO DO EXPERIMENTO].

Figura 2. Representação esquemática das respostas cardiorrespiratórias (ventilação e frequência cardíaca) sob manipulação do quimiorreflexo carotídeo através da administração de diferentes concentrações de oxigênio [12% hipóxia (demonstrado na cor azul); 21% normóxia (demonstrado na cor vermelha)].


Figura 3. Foto do experimento com todos os equipamentos utilizados. 1) Isocinético; 2) Eletromiógrafo; 3) Sistema de reinalação de CO2 para manutenção de isocapnia; 4) Analisador Metabólico (Quark CPET, Cosmed); 5) Eletrocardiograma; 6) Gás (21% ou 12% de oxigênio).


Nós observamos que a ativação concomitante do quimiorreflexo carotídeo e do mecanorreflexo muscular, ou seja, situação onde ocorreu o movimento e hipoxemia, proporcionou um efeito potencializado sobre a resposta ventilatória (Figura 4). Isso significa que os efeitos da ativação isolada destes reflexos não foram puramente matematicamente somados quando ambos foram ativados concomitantemente. O que ocorreu foi uma resposta maior, conhecida com hiperaditiva. Portanto, a fisiologia nem sempre segue a matemática. Fazendo uma analogia, neste caso, 1+1 não resultou em 2 (Soma Matemática), mais sim em 4 (Soma Fisiológica). Estes achados contribuem para melhorar a compreensão sobre a regulação ventilatória durante o exercício em hipoxemia, e podem ser úteis para o desenvolvimento de estratégias que atenuam a resposta ventilatória de pacientes com doenças pulmonares e de atletas que fazem exercício em elevadas altitudes.

Figura 4. Representação gráfica das respostas ventilatórias em diferentes situações. Barra vermelha, situação movimento e normóxia. Barra azul, situação repouso e hipóxia. Barra listrada, soma matemática das respostas ventilatórias do movimento e normóxia + repouso e hipóxia. Barra preta, situação movimento e hipóxia (somatória fisiológica). Visto que a barra preta foi maior que a barra listrada houve efeito hiperaditivo.



Agradecimentos


1) à Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP), por conceder bolsa de mestrado à primeira autora do estudo, a fisioterapeuta Talita Miranda Silva; 2) à Sociedade Americana de Fisiologia (American Physiological Society - APS) por conceder no ano de 2017 um prêmio de mérito do estudo na área de fisiologia respiratória; e 3) à Empresa AA Med por todo o suporte técnico oferecido ao analisador metabólico utilizado no estudo (QUARK CPET), que foi fundamental para obtermos dados fidedignos.


Referências

1. Forster HV, Haouzi P, Dempsey JA. Control of breathing during exercise. Compr Physiol. 2012;2(1):743-77.


2. De Castro F. The discovery of sensory nature of the carotid bodies-invited article. Adv Exp Med Biol. 2009;648:1-18.


3. Grocott MP, Martin DS, Levett DZ, McMorrow R, Windsor J, Montgomery HE. Arterial blood gases and oxygen content in climbers on Mount Everest. N Engl J Med. 2009;360(2):140-9.


4. Silva TM, Aranda LC, Paula-Ribeiro M, Oliveira DM, Medeiros WM, Vianna LC, et al. Hyperadditive ventilatory response arising from interaction between the carotid chemoreflex and the muscle mechanoreflex in healthy humans. J Apply Physiol. In press.

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